Como evitar erros de comunicação em consulta

 

Como evitar erros de comunicação num encontro clínico potenciando a relação terapêutica com a pessoa

 

Um dos desafios prementes enfrentados pelos sistemas de saúde prende-se com a transformação emergente dos cuidados prestados pelos mesmos. A disseminação dos conceitos assentes num value based health care têm como objetivo major a transformação dos cuidados de saúde através da criação de valor acrescentado para os pacientes. Para uma implementação efetiva deste novo paradigma é necessário abandonar as práticas que integram um modelo primordialmente biomédico e, assim sendo, focado nos profissionais de saúde, e transitar para cuidados que garantam uma prática centrada na pessoa.

A Prática centrada na pessoa é caracterizada pela visão/integração do paciente como ser humano, assumindo uma perspetiva biopsicossocial, com enfâse na simetria do poder/responsabilidade e aliança terapêutica. Consideram-se ainda componentes essenciais desta abordagem a criação e o estabelecimento de conexões significativas, a autogestão e uma comunicação em saúde efetiva, se possível centrada na pessoa.

 

“Comunicação não é o que nós dizemos, mas sim o que os outros entendem” David Ogilvy.

 

A comunicação em saúde assume-se particularmente complexa, pela integração de saberes que surgem de áreas que seriam à partida dispares entre si (antrolopogia, marketing, ciências da comunicação, anatomia, etc). Por definição, consiste no estudo e utilização de estratégias de comunicação para informar e influenciar decisões e ações que visam a melhoria do status de saúde e bem-estar das pessoas e populações (Society of Health Communication). É simultaneamente considerada uma dicotomia entre ciência e arte, pela necessidade de moldar e customizar a mensagem ao público alvo.

 

Na perspetiva clínica a comunicação terapêutica é por definição parte importante da relação pessoa-profissional de saúde, vulgo relação terapêutica, e prevê uma troca interpessoal usando mensagens verbais e não verbais (ex. toque), que culminam com o paciente a ser ajudado. É uma comunicação que expressa suporte, providência informação e feedback, corrige distorções e promove esperança.

O estado da arte permite-nos perceber que uma comunicação em saúde centrada na pessoa, quando efetiva:

  • permite a melhoria de outcomes clínicos (dor),
  • promove uma maior adesão terapêutica assim
  • promove uma maior satisfação e experiência da pessoa com os cuidados de saúde prestados.

É por estas razões um elemento vital dentro do espaço intersubjetivo que é uma sessão/consulta e essencial ao estabelecimento de um vínculo, de memórias e de emoções que são o substrato da relação terapêutica.

Contudo e apesar de todos os esforços efetuados nos últimos anos pela academia por forma a sensibilizar os profissionais de saúde para a temática, e sobretudo para dota-los de capacidades (soft skills) para extrair o máximo de potencial desta área, estes ainda mostram algumas reticências que não lhes permite passar da teoria à prática.

Nesse sentido e por forma a que estes tomem consciência da importância da comunicação apresentamos uma série de erros comuns, que acontecem frequentemente num encontro clínico.

Limar estes pormenores irá fazer a diferença na prática pelo que em cada tópico encontrará uma sugestão de melhoria. Leia, reflita o seu modelo de prática, coloque em ação estas dicas e deixe-se entusiasmar pelo poder da comunicação. Vai ficar surpreendido.

 

Apresentação:

A recolha do exame subjetivo / anamnese deve ser antecedida de uma apresentação de todas as pessoas presentes no espaço onde decorre a consulta / sessão. Isso implica o profissional de saúde, a pessoa e eventualmente o seu acompanhante (fazendo acrescentar da relação que tem com este).

Devemos ter o cuidado de na presença de pacientes novos fazer uma apresentação geral do espaço, aproveitando a ocasião para o receber dando-lhe as boas vindas. É especialmente importante acompanhar a pessoa no percurso entre a sala de espera e o consultório. A relação terapêutica começa nesse instante.

 

Pergunta inicial:

Após assegurar o conforto do paciente no espaço segue-se, de uma forma geral, a anamnese. A primeira pergunta dará o mote para aquilo que se espera ser uma conversa que prime pela partilha de informação, compaixão e empoderamento, sensibilidade para as necessidades do paciente por forma a fomentar a relação terapêutica.

Nesse sentido, devemos evitar perguntas como “Como se sente hoje” ou “Qual é o seu principal problema” uma vez que estas questões potenciam a somatização das preocupações deste nos sintomas físicos.

Idealmente, devemos privilegiar perguntas abertas por forma a dar espaço ao paciente para discutir o que for relevante para si. “De que forma o posso ajudar” ou “conte-me a sua história” são sempre boas formas de iniciar a conversa e sobretudo colocam o profissional de saúde à disposição da pessoa para aquilo que se espera ser uma jornada terapêutica de sucesso.

 

Interrupções

O profissional de saúde demora em média 16 segundos a interromper o paciente após o início da conversa. Este é um dos erros mais comuns na comunicação em saúde, e na verdade, a literatura diz-nos que exame subjetivos em que a pessoa pode falar de forma livre e ininterrupta demora em média mais 6 minutos que entrevistas mais fechadas e dirigidas.

Ouça a pessoa sem pressas, respire, aproveite para perceber que palavras e estilo de comunicação a pessoa utiliza. Vai ser extremamente útil quando chegar a sua vez de falar.

 

Auscultar as necessidades dos pacientes

Frequentemente, os pacientes levam à consulta mais do que um motivo que gostariam de ver esclarecido (média de 1 a 4 motivos). O profissional de saúde deve assegurar que todas as preocupações e necessidades do paciente são auscultadas perguntando com frequência se “há algo mais a acrescentar”. Utilize sempre frases pela positiva ao invés da negativa (ex. Não tem nada mais a dizer certo?).

À posteriori este é um momento ideal para priorizar e definir objetivos que estarão na base da tomada de decisão colaborativa.

 

(Im)Preparação da consulta

“O profissional de saúde quase nunca olhou para mim, estava sempre atrás do computador a escrever”. Esta frase soa-lhe familiar certo?

Durante o encontro clínico o foco deve ser o paciente e a história que este tem para nos contar, pelo que se deve evitar a consulta da informação clínica no momento do exame objetivo. A preparação da consulta consiste na revisão do processo individual de cada paciente, reforçando o conhecimento da sua história e as momentos chaves do seu percurso. Mostre que se lembra de pequenos pormenores. Irá enriquecer a sessão e validar a personalização dos cuidados.

Os registos da consulta devem ser efetuados, sempre que possível, no final da mesma.

 

Explorar a perspetiva individual da doença

A visão que o paciente tem da sua doença e consequentemente, do estado seu de saúde, é um dos principais focos da prática centrada na pessoa. Mais do que o sintoma o importante é a pessoa, e isso implica que o profissional de saúde explore sentimentos, ideias, preocupações e expectativas.

Este ponto é especialmente importante para a tomada de consciência face ao impacto emocional que a condição tem na pessoa. É um erro comum os profissionais de saúde não explorarem as emoções dos pacientes, sendo que esta é uma barreira importante na construção de confiança durante a relação terapêutica. “Esses sintomas são comuns em pessoas com essa condição” é uma frase muito utilizada pelos profissionais, que apesar da intenção positiva de tranquilizar a pessoa face aos seus sintomas, pode funcionar como bloqueio que a impede de explorar os seus sentimentos.

 

A forma e o conteúdo da mensagem a transmitir

A comunicação em saúde deve privilegiar uma linguagem clara e simples, evitando jargões médicos sempre que possível, tanto na comunicação oral como escrita.

É importante que o profissional de saúde defina e tenha em mente os objetivos da consulta por forma a limitar a passagem de informação de 3 a 5 mensagens por sessão. Estas mensagens devem ser curtas podendo pedir durante a consulta que o paciente repita as informações que lhe foram fornecidas até que este demonstre que entendeu.

 

Estes erros que enunciamos acima são comuns, surgem frequentemente da impreparação e da desvalorização que a maioria dos profissionais de saúde teve da comunicação terapêutica ao longo da sua formação académica e profissional. A tomada de consciência é o ponto de partida para a evolução. As boas práticas em comunicação não são inatas. São sim conhecimento que deve ser adquirido, treinado e colocado em prática.

 

Este artigo foi escrito pelo Ricardo Vieira, Fundador da Clínica EMOV, Autor do Blogue “Mãozinhas Mágicas” e o mais recente https://ricardo-vieira.mailerpage.io/blog . Orador em temas como Comunicação, Saúde Centrada na Pessoa e Value Based Healthcare e formador no nosso curso de Estratégias de Comunicação em Saúde