A “famosa” Portaria nº 88/2024/1

 

No passado dia 11 de março foi publicada em Diário da República a Portaria nº 88/2024/1. Talvez esta designação por si própria lhe diga pouco…
No entanto, se tem ou está a ponderar vir a ter o seu próprio negócio em saúde, já terá certamente ouvido falar dela, uma vez que, de acordo com o próprio documento, este “estabelece os requisitos mínimos relativos ao licenciamento, instalação, organização e funcionamento, recursos humanos e instalações técnicas das unidades de medicina física e de reabilitação, unidades de fisioterapia, de terapia da fala e de terapia ocupacional detidas por pessoas coletivas públicas, instituições militares, instituições particulares de solidariedade social e entidades privadas.”
Além da importância que esta portaria tem para a organização e gestão dos serviços de Fisioterapia em contexto privado, ela é também bastante simbólica para a profissão, encaixando no trajeto de aumento da autonomia da Fisioterapia, bem como na necessidade de garantia da qualidade dos serviços prestados, em prol da segurança dos utentes.
Até agora existia uma elevada complexidade e sentimento de dúvida no registo e garantia do cumprimento de normas formais, legais, técnicas e de infraestruturas para serviços privados de Fisioterapia no contexto privado, dado que esta tipologia de unidades de saúde via as suas normas e regulamentação dividida por diversos documentos. A portaria agora publicada, servirá para simplificar este processo, pois compila num mesmo documento as normas a seguir para salvaguardar a viabilidade de registo de uma unidade de Fisioterapia em contexto privado.
Neste artigo, iremos procurar trazer uma análise preliminar ao conteúdo da portaria, com a informação presentemente disponível.

 

Que tipologias são regulamentadas por esta portaria?
O primeiro dos pontos a salientar é o facto de no seu artigo 2º do Capítulo I, a Portaria começar por indicar a priori, para uma correta interpretação do restante texto, o que são consideradas Unidades de Fisioterapia, Terapia da Fala e Terapia Ocupacional, bem como Unidades de Medicina Física e Reabilitação. Aqui, sem grandes surpresas, qualquer uma delas é entendida como o local onde estes diferentes profissionais prestam os cuidados específicos da sua profissão, desde que devidamente habilitados para tal,
Fica claro neste documento que o facto de existir um médico especialista em Medicina Física e Reabilitação num dado local de prestação de cuidados de saúde, faz com que esta passe a ser automaticamente entendida como uma unidade de Medicina Física e Reabilitação. Além disso, é referido de modo explícito, que as restantes tipologias abrangidas pela presente portaria, nomeadamente unidades de Fisioterapia, Terapia da Fala e Terapia Ocupacional, devem abster-se da utilização de designações que possam induzir os utentes em erro quanto à natureza e/ou tipologia da unidade, nomeadamente “clínica” ou “medicina física e reabilitação”.
Ora esta indicação, vem ainda tornar mais premente a necessidade do respeito pela forma como se comunica e publicita em saúde, algo que já se encontra devidamente regulamentado pela Entidade Reguladora da Saúde, nomeadamente na sua Recomendação n.º 1/2014, acerca das práticas publicitárias dos prestadores de cuidados de saúde.

 

Que elementos formais são fundamentais para estas tipologias?
Um dos documentos que irá guiar a dinâmica de funcionamento das tipologias regulamentadas por esta portaria é, desde logo a figura do Manual de Boas Práticas, que será aprovado por despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde. Assim, aguarda-se ainda mais informação sobre a natureza e conteúdo deste documento.
Além da compliance com este Manual de Boas Práticas, será essencial que estas unidades, desde que funcionem com mais do que um profissional, possuam um regulamento interno, devidamente validado pelo diretor clínico/técnico. Os pontos 1 e 2 do Artigo 7º da portaria definem as informações mínimas a constar no regulamento, que visam essencialmente a definição e descrição da estrutura da organização, dos profissionais que dela fazem parte e do seu funcionamento, bem como questões relacionadas com a manutenção de equipamentos, gestão da qualidade e formação dos colaboradores e explicitação do plano de ação em casos de emergência.
Para lá do regulamento interno, e não sendo propriamente uma novidade, existe um conjunto mínimo de informação que precisa de ser disponibilizada aos utentes de forma visível, e que inclui: “a certidão de registo do estabelecimento na Entidade Reguladora da Saúde (ERS), a licença de funcionamento ou a declaração de conformidade, o horário de funcionamento, o nome do diretor clínico/diretor técnico e, quando a unidade esteja integrada num estabelecimento com várias tipologias e ou serviços, do diretor de serviço, a referência à existência de regulamento interno, os procedimentos a adotar em situações de emergência e os direitos e deveres dos utentes, devendo ainda estar disponível para consulta a tabela de preços”. Caso tal se aplique, é também essencial que seja disponibilizada informação acerca dos acordos e convenções existentes na unidade.

 

Será o seguro de responsabilidade civil da Ordem dos Fisioterapeutas suficiente para defender a prática profissional em Fisioterapia?
Pela análise do artigo 6º do Capítulo II desta portaria, parece poder entender-se que as unidades de Fisioterapia devem, elas mesmas, contratar um seguro de responsabilidade civil, ainda que os fisioterapeutas que lá exerçam a sua atividade profissional estejam abrangidos eles próprios pelos seguros individuais, nomeadamente o que é assegurado de modo automático pela inscrição na Ordem dos Fisioterapeutas.

 

Registo, logo existo?
Também na Portaria nº 88/2024/1 fica plasmada a importância dos registos em saúde, bem como as considerações e cuidados a observar na recolha e manutenção de processos clínicos dos utentes, exames complementares de diagnóstico realizados, dados de controlo de qualidade e registos de manutenção de equipamentos e instalações. Aqui, as unidades regulamentadas por esta portaria serão responsabilizadas pelo cuidado e rigor que emprestam à conservação de informação tão importante, pessoal e sensível, relativa aos utentes que recorrem aos seus serviços.
Além destes elementos, na alínea g) do artigo 8º há também menção a um elemento importante, e muitas vezes menosprezado, na garantia da qualidade dos cuidados prestados, que é a criação e registo de protocolos técnicos terapêuticos. Ora, esta utilização de protocolos clínicos alinhados com a melhor evidência disponível deixa de ser apenas uma questão deontológica destas profissões, para passar a ser uma necessidade regulamentar, passível de fiscalização pela autoridade competente para o efeito.

 

Quem dirige?
Nos artigos 14º e 15º do capítulo IV, a portaria especifica quais os requisitos para a direção clínica das unidades de Medicina Física e Reabilitação, bem como para a direção técnica das unidades de Fisioterapia, Terapia da Fala e Terapia Ocupacional.
Olhando para o caso da Fisioterapia, em regras em tudo semelhantes às restantes unidades, fica claro que este diretor técnico terá de ser um fisioterapeuta, e que deve estar pelo menos 4 horas por dia de modo presencial na unidade. Caso não possa assegurar isto, deve ser substituído por outro profissional com formação equivalente. Já no caso de impedimento ou cessação com carácter permanente, estão previstos 30 dias para a sua substituição. Neste mesmo artigo 15º ficam claras as responsabilidades do diretor técnico, com especial enfoque na garantia da organização, qualidade e adequado funcionamento do serviço.

 

Como devem ser as unidades?
Esta portaria estabelece também requisitos técnicos e de instalações que devem estar reunidos para o licenciamento das unidades tipificadas no documento.
Existem indicações claras quanto às normas de construção dos edifícios, aquecimento, ventilação e ar condicionado (AVAC), gases medicinais e aspiração, instalações e equipamentos elétricos, equipamentos sanitários, entre outros.
Assim, é necessário que em termos de infraestruturas seja assegurada a adesão às normas em questões como as dimensões dos espaços, condições de acessibilidade, renovação e qualidade do ar, segurança e evacuação. Como tal, se já tem ou dirige uma unidade deverá procurar avaliar o grau de cumprimento destas normas e, se por outro lado, está em processo de criação de um negócio em saúde deverá analisá-las, de modo a garantir que estará em cumprimento e evitar necessidade de correções posteriores.

 

Mas quando tenho de implementar as normas?
A portaria é clara neste ponto. Existe um período de 5 anos para a adaptação. As unidades já licenciadas em tipologias anteriores devem, nesse mesmo prazo, solicitar emissão de nova licença com dispensa de vistoria prévia, através de requerimento fundamentado que ateste o cumprimento dos novos requisitos técnicos de funcionamento aqui previstos.
Por outro lado, empresas e entidades que tenham já processos pendentes de aprovação pode também solicitar a adequação aos novos requisitos, de modo a passarem desde já a enquadrar-se de acordo com o documento agora publicado.

Esta é uma atualização importantíssima para a Fisioterapia, não apenas na sua dimensão operacional, mas também pelo simbolismo que tem, dado que passa agora a ser reconhecida e plasmada nas normas de regulamentação uma tipologia específica para a prestação de cuidados de Fisioterapia em contexto privado. Além de permitir que a profissão tenha dado mais um passo no sentido da sua autonomização e incremento dos padrões de prática, este documento traz consigo uma elevada responsabilidade, particularmente aos fisioterapeutas diretores, que deverão garantir o cumprimento dos requisitos.
Contudo, estamos confiantes que os fisioterapeutas, que hoje sabem que as competências técnicas não devem ser o seu foco exclusivo, estarão à altura do desafio e farão bom uso das duas capacidades, competências e conhecimentos de gestão, para uma excelente adequação aos normativos necessários.

Sendo esta uma legislação recente, procure estar atento a novos desenvolvimentos e fóruns que lhe permitam esclarecer as suas dúvidas.

Conte também com a Blue Physio para lhe trazer sempre a melhor informação, sendo que estamos desde já disponíveis para responder a eventuais questões que tenha sobre este tema em concreto.