Fim dos gabinetes de fisioterapia

O fim dos gabinetes de fisioterapia

Num mundo incrivelmente competitivo, onde o racional económico domina as decisões do ser humano, promover diferenciação na Saúde privada parece um oásis acessível apenas para alguns.

De facto, do ponto de vista conceptual, pequenos negócios em Fisioterapia, como gabinetes privados que trabalham exclusivamente em regime particular, terão muito provavelmente os anos contados, pelo menos da forma como os conhecemos.

Diferentes factores poderão desempenhar um papel preponderante no cenário apresentado, desde logo porque a Saúde tenderá a ser suportada por sub-sistemas privados associados a seguros de saúde, os quais terão progressivamente mais interesse em fechar portas a comparticipações fora das suas redes de prestadores. Isto significa que o consumidor tenderá a permanecer dentro da rede de sub-sistema, exigindo por sua vez, serviços, profissionais e modelos de saúde com mais qualidade e rigor.

Esta tendência apenas poderá ser contornada, se o consumidor encontrar razões para continuar a consumir a saúde privada.

Um dos grandes argumentos dos gabinetes privados de Fisioterapia tem-se prendido com a chamada “diferenciação em Saúde”, onde é oferecido um serviço de duração superior por consulta, teoricamente mais humanizado, personalizado e com um cardápio de abordagens clínicas que o cliente não encontra habitualmente nos chamados serviços de “Fisioterapia convencional”, o que em conjunto tem sido associado a merecedor de um preço por consulta mais elevado.

Também estes factores deverão ser alvo de profunda reflexão, uma vez estarmos a educar o público num processo de grande viés e até de “falsa” diferenciação em que tentamos preencher cada vez mais o serviço para que lhe seja atribuído determinado valor. Contudo preço e valor são elementos distintos, e é um erro pensarmos que Fisioterapia de valor tem de durar uma hora por sessão ou tem de ser acompanhada de 15 técnicas distintas, carregadas de explicações tantas vezes representativas de nocebo.

Neste sentido, a Fisioterapia privada, para sobreviver, terá de reformular os seus conceitos e modelos e concentrar-se no Valor, em vez da standardização de actuação que a convertem actualmente também numa “Fisioterapia Convencional”, apenas privada.

É fundamental promover um conjunto de acções que se traduzam em real valor para o cliente final, valor esse que poderá ser expresso por um preço que o cliente pague. Do ponto de vista da organização, os procedimentos de agendamento e marcação deverão ser exímios na experiência do consumidor, promovendo a extinção de “listas de espera”, em tempos vistas como sinónimo de um profissional especialista (e que enchia o ego do profissional de saúde), mas que actualmente desvalorizam a experiência satisfatória do consumidor e poderão contribuir enquanto factor de risco de cronicidade, a título de exemplo.

A avaliação tenderá a ser mais objectiva e fiável, progressivamente mais funcional, baseada na complexidade da pessoa e risco de progressão da condição, acima (ou pelo menos paralela) de rótulos diagnósticos biomédicos e capaz de conduzir à selecção de estratégias de intervenções específicas, o que implica considerar a simplicidade versus o cardápio de técnicas, alterando a comunicação. Todo este processo decorrerá com a participação da pessoa, decisora do seu processo de Saúde.

Um dos pontos fortes passará obrigatoriamente pela presença forte na Comunidade, com projectos de literacia e promoção de saúde, mas mais além, projectos com impacto no sentido de vida das pessoas, através do movimento, da consciência de corporalidade intrinsecamente relacionada com a noção de Eu, neste aqui e agora. Neste ponto, irão surgir diferentes serviços de promoção de saúde (muitos dos quais possivelmente ainda desconhecemos) e que dominarão o dia a dia dos fisioterapeutas, que em vez de tratar pessoas com disfunções, promoverão sessões e consultas de qualidade de vida.

Este ponto é de um valor incrível, capaz de transformar vidas, sendo fundamental criar consciência de que este valor também ele tem um custo/ preço. Aliás, terá potencialmente, o maior valor de todos.

Será ainda relevante, num modelo de integração e interacção de áreas profissionais, considerar a importância da Arte Terapia numa vida plena, com saúde e significado, onde a expressão corporal e emocional acontecem de forma profundamente transformadora, no campo experiencial. Apesar de já possuir algum corpo de investigação na aplicabilidade em contexto de doenças crónicas, como quadros demenciais, autismo, dor crónica, entre outros, é fundamental a integração destas abordagens altamente especializadas, num modelo de actuação em saúde contemporânea carregado de valor, onde as etapas pré-condição clínica irão prosperar.

Consequentemente, a remarcação sistemática de consultas em plena dependência do profissional de saúde irá dar lugar a sistemas de comunicação em follow-up altamente eficientes, igualmente pagos, atribuindo uma maior responsabilização à pessoa na sua auto-gestão enquanto se mantém no seu dia a dia, na sua vida, ao seu ritmo.

Porque afinal, analisar o futuro é analisar ritmos de pessoas, de sistemas, de tendências, onde a Fisioterapia continuará a desempenhar um papel cada vez mais imprescindível e de verdadeira diferenciação.

Autor: Tiago Freitas
Co-fundador Blue Physio Consultoria

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