Quão confortáveis estão os fisioterapeutas na adoção de uma prática centrada na pessoa?

Um artigo dos autores Mudge, Stretton e Kayer (2014) intitulado “Are physiotherapists comfortable with person-centred practice?“, descreve um estudo autoetnográfico que explora a questão de como os fisioterapeutas se sentem em relação à prática centrada na pessoa (person centered care).

Recordando que a “prática centrada na pessoa” refere-se a uma abordagem e modelo de saúde, que coloca o paciente no centro dos cuidados, valorizando suas experiências, preferências e necessidades, ao mesmo tempo que o envolve de forma ativa na cocriação da jornada terapêutica. Nesta abordagem, o papel do profissional de saúde é o de trabalhar com o paciente para identificar suas metas e objetivos, sendo desenvolvido um plano de tratamento individualizado que tem em consideração as necessidades e desejos do paciente.

Este estudo autoetnográfico, envolveu uma reflexão dos autores, sobre suas próprias experiências e perceções em relação à prática centrada na pessoa. Discutindo as suas próprias experiências na prática clínica, bem como as barreiras e desafios que encontraram ao tentar adotar uma abordagem centrada na pessoa.

Os autores realizaram ainda entrevistas com outros fisioterapeutas para explorar as suas perceções sobre a prática centrada na pessoa, tendo concluído que embora muitos fisioterapeutas tenham uma compreensão geral da importância da prática centrada no paciente/pessoa, muitas vezes se sentem limitações na implementação da mesma.

Alguns dos obstáculos para a adoção da prática centrada na pessoa por parte dos fisioterapeutas incluem:

 

  1. Limitações de tempo: Alguns dos profissionais relataram a falta de tempo para interagir com os pacientes para compreenderem as suas necessidades e objetivos. Como resultado, sentem-se imbuídos a seguir protocolos standard ou a tomarem decisões com base na sua opinião, em alternativa a considerarem as necessidades e desejos do paciente.

     

  2. Sistema de saúde: Em vários contextos, os sistemas de saúdes colocam um ênfase excessivo na resolução rápida de problemas e na maximização da eficiência, o que pode levar os fisioterapeutas a colocarem o foco nas tarefas e não no paciente. Isto resulta numa falta de atenção às necessidades e desejos do paciente e numa abordagem menos centrada na pessoa.Curiosamente este paradigma é contraditório com o que a literatura nos demonstra, na comparação entre cuidados de saúde focados na execução da tarefa em alternativa ao foco num modelo e comunicação centrada na pessoa, já que esta última releva uma melhor relação custo-eficiência nos resultados clínicos obtidos.

     

  3. Falta de formação específica: Muitos fisioterapeutas relatam que não receberam formação específica na prática/comunicação centrada na pessoa durante sua formação. Como resultado, podem não estar confortáveis com as competências e estratégias necessárias para adotar este tipo de abordagem em saúde, na sua prática diária.

     

  4. Receio de perder o controlo: Alguns fisioterapeutas relatam o receio de perder o controlo da gestão da situação clínica do paciente ao adotarem uma abordagem centrada na pessoa, sentindo-se mais confortáveis tomando as decisões com base no seu conhecimento e experiência, em vez de confiarem nas opiniões, crenças e preferências do paciente.

     

  5. Expectativas dos pacientes: Por fim, alguns fisioterapeutas relatam que alguns pacientes muitas vezes têm expectativas próprias e pré-concebidas em relação ao seu próprio tratamento e à sua participação ou não participação ativa no mesmo. Alguns pacientes preferem uma abordagem mais passiva, muitas vezes fruto de experiências anteriores em fisioterapia/saúde. Estes casos representam um desafio na criação da autonomia do paciente na autogestão da sua condição, tal como postulado num modelo centrado na pessoa.

Os autores concluem que, embora a prática centrada na pessoa esteja amplamente estudada e reconhecida como a abordagem mais atual, à luz da evolução dos modelos de saúde, ainda há muitos obstáculos a serem superados na educação/formação do fisioterapeuta, para que a incorporação da mesma na prática clínica diária dos fisioterapeutas seja implementada de forma mais eficiente.

Destacam por fim a importância de continuarmos a discutir e a criar guidelines para uma boa implementação da centrada na pessoa, em fisioterapia, com o objetivo de aprendermos a lidar melhor com obstáculos descritos e a oferecermos um cuidado mais individualizado e humano aos nossos pacientes.

Se este é um tema que interessa, podes ler mais sobre o mesmo nos artigos Modelos que orientam a nossa prática” e “Modelo de saúde orientador do negócio”.

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